11/01/2021

        ( . . .)

        Ouço músicas bárbaras que devem estar tocando no interior longínquo do teu corpo. Sinto
        um arrepio, uma vertigem.
        As palavras que se me atravessam na mente lembram-me a tua alma. Mas não me lembro
        bem em que porto desembarcaste para morrer.


        Eu sei que nada está vivo na fotografia, mas guardo-a junto ao peito.
        Nada se repetirá, nem a tua morte nem a minha vida. É tão estranha a serenidade do teu rosto...
        Quem sabe o que nos espera no fim desta viagem...
 

        Uma fera enfurecida salta por cima da sebe.
        A boca seca. Um lugar que recordo. A tua juventude ficou ali, a fera devorou-a.
        As mãos seguram ramos de violetas. Um tronco de cedro caiu dentro do lago.
        O entardecer, a tempestade, a fera... horror no pressentimento de que havia alguma coisa a
        vir. A devorar-te. A ouvir.

        ( . . .)

        Al Berto, in "Luminoso Afogado", pág. 12, 1ª ed., Salamandra, 1995, Lisboa

Desenho a grafite por Luís Manuel Gaspar. «a voz atada por uma corda de lírios», 2019

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