Fresco / III
Na trémula inteligência da besta adestrada
O barulho de uma trombeta como uma vareta
O barulho da sala mais ampla do tesouro
E o barulho do sol sempre para o dia seguinte
O barulho inteiro e só
Como uma criança gloriosa atirada aos leões
Uma criança nua de barriga pura e purificadora
Atirada às mandíbulas das nuvens
Ao focinho celeste dos leões
Na trémula inteligência da besta adestrada
Na trémula inteligênca do seu dono
Vacila o vazio
E este fio de estrelas nas profundezas dos ramos
Algures aos vinte anos o abismo da Primavera
No seio da virgem as armas dos vinte anos
O fugaz granizo num rosa e branco riso
E a noite imperiosa após uma grande noite sábia
Juventude o sangue colhe os lilases da tempestade
Como um sapo a chama do charco
Na trémula inteligência do bom dono
Será para ti para mim que penso o amor
Meu semelhante teus olhos são fontes de luz
Rendilhas-te apanhas sol
A tua cabeça tem a forma das copas
Vens de longe até mim pois eu sou a terra
Onde farás reinar a tua frescura o teu calor
A terra onde a besta confiará em nós
Pelo amor à vida
Para a mais justa visão do mundo
Nessa terra livre onde nos compreendemos.
Paul Éluard, A cama a mesa (trad. Luís Lima, desenhos de Inês Viegas Oliveira), pp. 29-30, 1ª ed., Barco Bêbado, 2021, Lisboa
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