22/09/2016

oficinas de carne ambulantes, o desengano acena ao leitor que somos.
desafiem-se algumas notas desse parente do simum,
deixemos o sorriso ser hiena enquanto alguém se autoflagela
até um fio de luz antibiótica nos resgatar
daquela roda de poço que puxava água aos olhos.
cuidado, o fio que brilha pode ser de navalha,
diz o primeiro leitor. e o cínico, escondido atrás do papel,
responde: há muito me cortei, é do sangue que escrevo.
deflagra a dúvida, parte-se o pescoço à certeza mais dura
e do tutano drena-se surpresa. ardamos de não saber,
mesmo se a dada altura precisarmos tanto de luz.
cansada de mentir à folha, a língua dirá que o silêncio
do algoz começa no espelho, que a pior das noites é aquela
que se instala nas paredes interiores do corpo.
dorme enquanto podes, diziam uns olhos prevendo
a operação stop. magoar-te-ei e deixar-te-ei vivo para
que não esqueças: mesmo as ruas estão obrigadas
aos dois sentidos da derrota. não se sabe ao certo
quantos fantasmas de pátroclo aguenta um homem.
sabe-se, porém, que foi o homem a inventar o anzol
e que é a humanidade hoje a ser pescada em lesbos.
queria cobrir-me todo de terra como de nojo,
porque a poesia é um velho com cataratas
e o poema uma criança a brincar. ulisses já não tem
para onde regressar e o cínico, esse, segue para sul,
onde ainda é possível morrer sem interrupções
entre uma laranja e a memória do sal na pele,
sem nunca regressar dos mortos que escurecem
as paredes e engrossam a voz a cada noite destilada.
tréguas é a palavra menos pensada de toda a história
e o mal menor é mesmo que nas livrarias deste país
os gregos se vendam ao centímetro quadrado.

© amadeu liberto fraga

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