04/05/2018

APRENDER OU NÃO (EXCERTO)

     Por acaso, lembro-me como aprendi essas coisas do «masculino-feminino» com uma criança de oito anos, à volta com a 2.ª classe. Vagabundeávamos os dois pelos cais. Não era nada inesperado haver barcos por ali. Havia muitos. Estava eu a ver que era assim quando o meu companheiro me coloca este embaraço: «Porque é que os barcos, que são masculinos, têm nomes femininos?» Decifrei o nome de alguns barcos: «Maria Rita, «Ana Mafalda», «Nossa Mãe», «Bambolina». Dei uma resposta idiota porque realmente não compreendia aquela desatenção denominadora: «É que os donos dos barcos são parvos.» Ele sorriu, irónico: «Não. É que não são barcos. São barcas.» E, dentro de mim, tudo se reorganizou, e o mundo - com seus barcos (ou barcas) e nomes - recuperou o abalado sentido.

Herberto Helder, in "em minúsculas" 


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