Soube há pouco da partida da prof.ª Matilde Pimenta. Depois de uma série de professoras de português que pouco me ensinaram para além do que estava nos manuais, a prof.ª Matilde Pimenta pôs-me, em definitivo, a ler. Não porque era o que me competia, mas porque queria compreender. Numa altura em que a obra obrigatória para leitura ainda não era "Memorial do Convento", de Saramago, mas "Aparição", de Vergílio Ferreira, a prof.ª Matilde conseguiu despertar o meu interesse, fez-me ir à procura - linha a linha. Quem já leu VF sabe que não é um autor fácil, talvez menos fácil quando se tem quinze ou dezasseis anos. Quando publiquei o meu primeiro livro, embora fosse - hoje sei - um livro fracote, quis levar-lho e fui bater à sua porta. Quis que ela soubesse que fizera parte, que fazia parte daquele meu caminho. Que faz e fará parte. Não sei se chegou a ler o mais recente, mas o que importa um livro na máquina do mundo?
O que importam as palavras quando uma professora doente oncológica é dada como apta para leccionar por uma junta médica e, por extensão, pelo estado português? Mas agora calo-me. Os anos, os anos... Não sei nada, volto a ser aquele adolescente numa mesa de escola, a tentar perceber o Bexiguinha dentro de mim, hoje domado, e em mais ou menos amena conversa com outros personagens de VF e de outros autores. Nesta hora em que a prof.ª Matilde vai para a sua última colocação, endereço à família os meus mais sinceros sentimentos. E a vocês que não a conheceram, mas que, espero, tenham também tido uma prof.ª Matilde no vosso percurso, um excerto de "Aparição", que, está decidido, vou reler:
"Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro. [...] Que me é todo o passado senão o que posso ver nele do que me sinto, me sonho, me alegro ou me sucumbo? Que me é todo o futuro senão o que agora me projecto? O meu futuro é este instante desértico e apaziguado. Lembro-me da infância, do que me ofendeu ou sorriu: alguma coisa veio daí e sou eu ainda agora, ofendido ou risonho: a vida do homem é cada instante - eternidade onde tudo se reabsorve, que não cresce nem envelhece -, centro de irradiação para o sem-fim de outrora e de amanhã. O tempo não passa por mim: é de mim que ele parte, sou eu sendo, vibrando."
alf
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