Há séculos que a mesma série de figuras repete os mesmos gestos. Há séculos que a mesma mulher esfarrapada pare e o mesmo cavador revolve a terra. Há séculos que comem o mesmo pão e a mesma usura os leva até à cova. Há séculos que choram as mesmas lágrimas e o monte deita a mesma água. As mulheres trazem os pequenos ao colo e falam-lhes como lhes falaram a elas. O que se gasta, o que a dor e a vida consomem, é a parte externa: as lágrimas renovam-se sempre. As leiras dão sempre o mesmo pão escasso, no monte não se estanca o fio de água, que, como o fio de ternura, reproduz a vida e remoça sempre quatro palmos de erva. A mulher, esta ou outra, chora debruçada sobre a masseira, pare com dor no mesmo catre, morre com dor na mesma enxerga.
Raul Brandão, in "Húmus"
Retrato de Raul Brandão e de sua esposa D. Angelina Brandão, 1928, òleo sobre madeira de Columbano Bordalo Pinheiro |
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