11/11/2018

a propósito dos 100 anos do armistício e das inúmeras publicações surgidas nos últimos dias lembrando o contingente português, ocorreu-me a obra "A Malta das Trincheiras", do mal-amado André Brun. no excerto que abaixo reproduzo, retirado da edição da Civilização, nos anos 80, Brun presenteia-nos com um xapirógrafo. não sei como resolveu a Guerra e Paz este berbicacho, na sua reedição: vou supor que manteve o termo redigido por Brun. para muitos, esta palavra tem aqui a sua única aparição em toda a história da língua portuguesa. para uns gralha, para outros um curioso hápax, certo é que parece não haver uma explicação definitiva para aquele lexema. eu não creio que se trate de gralha, mas de um aportuguesamento de "spirographe", o aparelho que Bruno Abakanowicz inventou entre 1881 e 1900, mais tarde desenvolvido por Theodore Brown, e que Brun poderá ter escutado pela boca de um soldado de outra nacionalidade. no contexto da obra de Brun, pode querer dizer que o sargento colocava os de patentes abaixo da sua a desempenhar tarefas que os faziam sentir-se às voltas no mesmo sítio, descrevendo círculos, sem alcançar grandes feitos. tácticas floreadas, portanto, mas com pouca eficácia. esta é a minha interpretação, uma vez que o "spirographe" - ou chamemos-lhe de uma vez xapirógrafo ou espirógrafo - servia para calcular áreas delimitadas por linhas curvas, ou, no caso do aparelho de Brown, para criar uma sequência de imagens através da rotação de um disco. claro que posso estar errado. segue abaixo o excerto da obra em que Brun parece não ser muito simpático para com os soldados portugueses, mas na verdade queria apenas deixar registado o quão mal preparados estavam, por comparação com os aliados, assim como dois links com mais informação sobre o espirógrafo de Brown e sucessores.

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     "Longe de mim a ideia de amesquinhar o esforço dos primeiros combatentes em França; mas, durante muito tempo, a permanência numa guerra de trincheiras, em sectores relativamente calmos de que certa nervosidade destrambelhada vinda do alto pretendia fazer sem método sectores de verdadeiro combate, não permitiu que se pusessem à prova senão a capacidade de adaptação que distingue a nossa raça, sempre através dos séculos a abandonada de alguém, e aquelas qualidades passivas de resignação que a História reconhece ao soldado português. Dos dias terríveis de Abril até aos do alvorecer de Agosto, em que me separei da frente portuguesa, só o esforço individual de certos manteve a continuidade do esforço anterior, reduzida ainda ao trabalho obscuro da malta das trincheiras.

      Acompanhei de perto essa arraia-miúda para a não amar e não a estimar. Foi com ela que ganhei os meus primeiros galões bem ganhos. Sei o que ela vale, o que ela fez e o que ela podia ter feito no instante próprio, se os chefes combatentes, verificando que ao começo as suas funções tácticas eram, pela natureza especial da guerra que se estava fazendo, reduzidas à versão e reprodução de ordens anteriores, e portanto redutíveis a proporções para as quais chegava e sobejava a mentalidade de um sargento-ajudante munido de um xapirógrafo, tivessem melhor atentado na importância das suas funções humanas e cuidado com maior carinho e mais inteligente desvelo do moral de tropas já de si ignorantes e propensas à estagnação de espírito e fatalismo atávico e, para mais, atiradas para longe da terra onde tinham as razões lógicas do seu ser."





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