20/12/2018

Inventário Incompleto

Há uma janela aberta sobre as fráguas.
Há um olhar descendo em cascata até ao vale.
Um barco largando o ancoradouro
e, ignorando meu poente,
lá vai subindo o Douro
como este nada querer rumo à nascente.

Há o inquebrantável poder da memória,
uma liturgia com travos de recomeço
a serpentear a evidência do fim.
E há uma ara entre a janela
e a melancolia da casa,
uma ara onde os sacrifícios atenuam
esta evidência que não se consegue dizer.

Há, no final da página, um ponto,
um ponto infinito como ditame
de qualquer deus que se oculta e diz.
E há também o grasnar dos gansos,
o sol a dar de chapa no vinhedo,
o rodar dos carros no asfalto...
Mas o que não há (nem nunca
poderá haver!) é a morte
desta qualquer coisa que não tem nome.


Victor Oliveira Mateus, in "Aquilo Que Não Tem Nome"



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