Um novo movimento imprevisível uma lâmpada
que atravessa as grandes salas e os longos corredores
e quase nada é um sopro um resquício de luz
sobre uma água perfeita entre sombras e vazios
uma espécie de promontório oblongo de verde bronze
limita o inexpugnável
uma fragilidade pura alimentada pelo vento
tem toda a força de ser
num movimento de ouro sem fim
os frutos da penumbra do mais alto desejo
brilham entre o fulgor de uma chama e a cintilação de um diamante
a elegância e o pudor de uma figura de mulher
tecem a interioridade de um movimento imóvel
e a frágil oferenda a todas as forças que a cobiçam
e aos lábios que a querem devorar
com a ferocidade de múmias anelantes
mas o eco e a nascente multiplicam as moradas
móveis evanescentes
ritmadas num nácar
onde o mundo como numa concha pulsa
se a figura se perde o espaço ainda fala
o grande rumor o grito e o silêncio
o vazio se entrevê sob o excesso ou a pobreza
como uma galáxia inexistente ou uma amêndoa de vertigem
as trémulas linhas e as cores cintilantes combinam-se
em pétalas de acaso ou de um caleidoscópio fustigado pela aragem
mas toda esta incoerência é ainda uma dádiva e um convite
à criação contínua à transmutação do desejo
à consonância das coisas e dos seres
à afirmação plena da liberdade inicial
António Ramos Rosa, in "Clamores", pp. 39-40, 1ª ed., Caminho, Lisboa, 1992
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