17/11/2019

     A ideia de que o que está mais próximo de nós no tempo é necessariamente mais interessante, e de que, por próximo, o compreendemos muito melhor é, em princípio, inteiramente falsa. Ninguém compreende do passado ou do presente senão aquilo que está preparado para compreender. E, a menos que tomemos por conhecimento uma massa de informações não-digeridas e que, em grande parte, podem ser irrelevantes, não sabemos necessariamente do presente mais e melhor do que de muito passado. O homem que se confinar apaixonadamente ao «presente», voltando as costas a um passado que lhe parece morto e sem relação com o seu próprio tempo, é aquele que mais apto está a sucumbir a todas as falácias que o passado legou ao seu presente. Em contrapartida, o interesse pelo passado não pode ser a tentativa absurda de nos transpormos para ele, nem a utilização demagógica dele.

Jorge de Sena, excerto inicial de Sobre o Perspectivismo Histórico-Literário, in "Dialécticas da Literatura", edições 70, pág. 179, Lisboa, 1973

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