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Porque o poema é a expressão física, na língua, do impulso poético. A língua, com a qual e, simultaneamente, contra a qual, o "material psíquico" originário do poema procura e encontra uma forma, e onde essa forma finalmente se consuma transformando-o e identificando-o, constituiria, pois, o laço entre a solidão do poeta e a solidão do leitor. Mesmo quando a função da escrita literária fosse, não a de exprimir mas a de dispor, ela seria também, por força justamente da sua presença na língua e na história, uma leitura da história (maxime da história da própria literatura). E talvez até nos extremos casos em que, buscando a salvação pelo silêncio, a escrita assuma face a essa história, como em Mallarmé, uma rarefacção formal e uma natureza assassina (o termo é de Blanchot) da fala social onde a leitura se funda, ela esteja condenada, porque é de uma condenação que se trata, a fazê-lo dentro da língua e da literatura e a tornar-se, assim, inevitavelmente, num problema de linguagem.
A língua, como diz Barthes, está aquém da literatura, é um "habitat" familiar, um horizonte que o escritor partilha com o leitor. Nela, enquanto corpo comum, a leitura assume-se então, naturalmente, como uma espécie particular de manifestação da obra literária.
Manuel António Pina, "Ler e Escrever", in "Águas Furtadas, nº3", pág. 10, Ano III, Abril de 2001, Organização Literária de Rui Lage, Edições JUP
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