19/11/2020

        Os Prazeres Inferiores
 
             Não desdenhes as paixões vulgares.
        Tens os anos necessários para saber
        que elas se correspondem exactamente com a vida.
        Não reduzas sua acção,
        pois se do breve tempo em que consistes
        as retiras,
        é ainda o existir mais imperfeito.
        Descobre sua verdade por trás da aparência,
        e assim não haverá falsidade,
        não poderás fingir que foi razão de vida o que foi só passagem.
        Mas elas evitaram-te o fiel tédio das horas.
 
             Exigem lucidez, não em sua experiência,
        mas em seu escasso ser;
        dá-lhes seu exacto valor,
        para o que tens de saber o que a vida vale
        e essa sabedoria há muito que é tua.
        Se cometes um erro quando as medes,
        hás-de fazê-lo atendendo à degradação.
        Nunca melhores o que vale pouco.
        E que não tenham nome, nem tempo demorado,
        e fiquem confundidas em sua promiscuidade.
        Sabes que tua memória é débil e te ajuda.
        São todas uma só,
        como é única a vida.
        E as outras paixões que merecem um nome
        e o abrigo de um tempo,
        salva-as longe delas,
        e sempre te recordem o que a vida não é.
        E agradece tais erros à vida.
 
Francisco Brines, in "Ensaio de Uma Despedida. Antologia 1960-1986", pág. 133-34, selecção e tradução de José Bento, Assírio & Alvim, Lisboa, nov. 1987

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