O mês de março vem ver como é e toca em tudo, e as montanhas descem pela tarde íngreme, nos espelhos tu serás daqui em diante todo o meu braço esquerdo, porque eu vou levantar voo com o braço direito na camisa demasiado azul, meu amor a espuma é uma pressa das águas que chegam à alvorada, nascidas num centro nocturno onde os animais estremecem e dormem - nunca mais terei sono, vou despir-te tão lentamente quanto se tece uma estação, e arderá nos meus dedos uma doçura negra, só depois eu saberei como é leve toda essa roupa exaltada, na atmosfera que treme dás um passo com os teus cabelos, e a paisagem ergue-se e respira, com a cor toda na voz procuro o nosso silêncio, como tu és uma criança passa a sombra do vento, e passa porque estás nua uma vertigem de sal, e ouve: o teu país é pimenta, e então é a noite pintada ao fundo e a lua senta-se, meu amor como um cardume livremente branco, e olhar é um modo de crescer em silêncio, respiras elevada até ser teu corpo um grande pensamento, e tudo se cala para termos muitas mãos por onde compreender, o mês de março está no meio e não se move, sentimos apenas os seus pulmões ardentes na matéria delicada que ferve atrás dos séculos.
Herberto Helder, in "Vocação Animal", pp. 23-24, 1ª ed. e única, publicações D. Quixote, maio de 1971
Sem comentários:
Enviar um comentário