18/02/2019

Veante mis ojos

Laranjeiras ou nardos? Sol-posto.
Luz da tarde ou da noite? Mudez.
Rasgo, em campos de cardos, o rosto.
Rasgo os dedos na azul pequenez.

Luz sem armas, sem corpo, distância
entre o raio e o princípio do Céu.
Cantarzinhos na rua da infância? 
Cantarcillo que a santa aprendeu:

            Veante mis ojos
            dulce Jesus bueno.
            Veante mis ojos
            muera me yo luego.

Tarde em casa na sala do Mundo?
Tarde velha no claustro espanhol.
Grandes fontes do Tempo sem fundo,
jorram alto, dos cimos do sol.

Estou morrendo na grande tormenta.
Teresa foge, não posso aprendê-la.
Teresa veste de névoa cinzenta,
pés de aroma e sandálias de estrela.

Os relógios sumiram os anos
por tranquilas escadas de sol.
Sobrehumanos, meus olhos humanos
espreitam Cristo no claustro espanhol...


Natércia Freire, in "rev. Árvore nº3", primavera e verão de 1952

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